Este texto (resgatado pelo jornalista Celso Martins), permanece estranhamente atual. É como se um tempo ditado pela censura ainda continuasse ditando parte da estética e opções atuais. Cirineu Martins, preso na “Operação Barriga Verde” morreu aos 41 anos. O ex-militante comunista saiu da prisão profundamente abalado, sem emprego e precisava alimentar a família – a esposa Graça, o recém nascido Ivan, e depois Serguei. “Foi vender poesia mimeografada, montou um varal de poemas na UFSC”.
Cirineu Martins é personagem de AUDÁCIA.
ARTE E POESIA
Por Cirineu Martins
Vivemos uma época de transição. Na sociedade, a luta entre o que é novo, o que alvorece e o que é velho, agoniza, assume proporções consideráveis e , muitas vezes nos impõe opções difíceis. Sob as mais variadas formas de conflitos e paixões participamos do processo de libertação das mais distintas faces da alienação. E neste contexto a arte é história na medida em que expressa essa etapa da evolução em toda a sua complexidade e se torna universal quando pela captação da essência humana nesse processo, transcende ao próprio momento histórico em que nasceu.
No caso particular dos países subdesenvolvidos, a literatura entre as várias formas de atividades assume seu peso específico, quando reflete as contradições do pensamento, da mudança em curso. É a luta consciente ou inconsciente, do colonizador no afã de afirmação cultural.
Como parte interdependente do processo cultural brasileiro, a literatura catarinense não pode ser vista isoladamente de toda a complexidade das relações de subdesenvolvimento que norteia, violenta e condiciona as produções literárias. È muito comum por estas bandas de cá, males como o elitismo, o sentimentalismo as posturas “elegantes”, temáticas lânguidas etc., porém não são males somente nossos. É o que mais existe na produção literária brasileira. Nossos males são outros, de características locais, assim como a falta de intercâmbio com os centros culturais mais desenvolvidos, a falta de relacionamento mais estreito com escritores de outros Estados, a não preocupação com os problemas econômico-sociais e políticos na produção a arte, a falta de encontros sistemáticos e discussões acerca da literatura catarinense e, por último a produção como hoby, atividades de fins de semana, revelando um baixo nível dos poemas e ficções que por aí circulam.
No entanto, é notório o crescimento nos últimos tempos de
Cartões Postais
Sem os coloridos paradisíacos
os bairros e as esquinas do mundo
revelam as faces
da existência humana.
O testemunho da exploração
no quadrilátero disforme.
Sob retinas educadas das cidades
a vida rebenta
sem as características estéticas
dos manuais de consumo.
I
Dos esgotos
homens e ratos
farejam migalhas de sonhos
nas listas de sol e proteínas.
II
Das latas de lixo o POEMA da fome
remove palmo a palmo
as diferenças
entre homens e ratos.